Exorcismo: fato e ficção

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Demônio e possessão não são apenas coisas de filmes e séries de TV – na verdade, fazem parte de uma das crenças religiosas mais comuns do mundo.
A maioria das religiões afirma que os seres humanos podem ser possuídos por espíritos demoníacos, embora haja algumas diferenças entre elas. A Bíblia, por exemplo, relata seis casos nos quais Jesus expulsou demônios (embora diversas passagens deste livro sagrado sejam abertas a interpretação). A Igreja Católica é conhecida por já ter feito exorcismos para resolver a ameaça da possessão.
A ideia de que espíritos invasores são inerentemente maus é um conceito judaico-cristão. Outras religiões e sistemas de crenças aceitam posse por ambas entidades beneficentes e malévolas por curtos períodos de tempo, como um aspecto da vida espiritual – por exemplo, o Espiritismo.
Adeptos da Nova Era também já adotaram uma forma de posse chamada canalização, em que espíritos de mortos usam o corpo de um médium para se comunicar através dele (Chico Xavier pode ser um exemplo de médium). Centenas de livros e até mesmo algumas sinfonias foram supostamente compostos por espíritos.

Exorcismo ficcional

Hollywood, é claro, não perde tempo em capitalizar sobre a contínua fascinação do público com o exorcismo e a possessão demoníaca, patrocinando filmes muitas vezes taxados de “baseados em uma história verdadeira”.
Existem inúmeros filmes com o tema do exorcismo, como o “O Exorcismo de Emily Rose”, “Filha do Mal” e “O Ritual”. A maior influência cultural do gênero vem do clássico “O Exorcista”. Nas semanas após o filme ter sido lançado, em 1974, um centro católico em Boston (EUA) recebeu pedidos diários para exorcismos.
Tal roteiro foi escrito por William Peter Blatty, adaptado de seu best-seller de 1971 de mesmo nome. Blatty afirmou que a inspiração para o filme foi um artigo do jornal Washington Post que ele leu em 1949, sobre um menino de Maryland (EUA) que tinha sido exorcizado. Blatty acreditava (ou dizia acreditar) que era um relato preciso, embora mais tarde pesquisas tenham revelado que a história havia sido sensacionalizada e estava longe de ser credível.
Michael Cuneo, em seu livro “American Exorcism: Expelling Demons in the Land of Plenty”, (em português, algo como “Exorcismo Americano: Expulsando Demônios na Terra da Abundância”), credita Blatty e o “O Exorcista” a grande parte do interesse moderno no exorcismo.
Quanto a sua precisão histórica, porém, Cuneo caracteriza o trabalho de Blatty como uma enorme estrutura de fantasia que repousa sobre o alicerce frágil do diário de um padre. Realmente houve um menino que sofreu um exorcismo, mas praticamente todos os detalhes sensacionais que aparecem no livro e no filme foram exagerados ou literalmente inventados.

Exorcismo real

A palavra exorcismo deriva da palavra grega “exousia” que significa juramento. Conforme o estudioso religioso James R. Lewis explica em seu livro “Satanism Today: An Encyclopedia of Religion, Folklore, and Popular Culture” (em português, algo como “Satanismo Hoje: Uma Enciclopédia de Religião, Folclore e Cultura Popular”), “exorcizar, portanto, significa algo ao longo das linhas de colocar o espírito possuído sob juramento – invocando uma autoridade superior para compelir o espírito – em vez de verdadeiramente ‘expulsá-lo’”. Isso fica claro quando a entidade demoníaca é ordenada a deixar a pessoa não pela autoridade de um sacerdote, mas, por exemplo, “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”.
Enquanto muitos podem pensar que exorcismos reais são relíquias da Idade das Trevas, isso não é verdade: não só eles continuam a ser realizados, muitas vezes em pessoas que são apenas emocionalmente e mentalmente perturbadas, como podem ter finais trágicos.
Exorcismos são feitos em pessoas de fé religiosa forte. A medida em que exorcismos “funcionam” pode refletir o poder da sugestão e da psicologia: se você acredita que está possuído (e que um exorcismo irá curá-lo), então talvez “funcione”.
O Vaticano emitiu orientações oficiais sobre o exorcismo pela primeira vez em 1614, e as revisou em 1999. De acordo com a Conferência dos Bispos dos EUA, sinais de possessão demoníaca incluem força sobre-humana, aversão à água benta e capacidade de falar em línguas desconhecidas. Outros potenciais sinais de possessão demoníaca incluem cuspir, xingar e “masturbação excessiva”.
Além de um punhado de exorcistas sancionados do Vaticano, existem centenas de autointitulados exorcistas em todo o mundo.
Depois de assistir a 50 exorcismos durante a pesquisa para o seu livro, Michael Cuneo afirma que nunca viu nada de sobrenatural ou inexplicável: nenhuma levitação, ou cabeças girando, ou marcas de arranhões demoníacos que aparecem de repente no rosto de alguém – mas viu muitas pessoas emocionalmente perturbadas em ambos os lados do ritual.
Se os submetidos a exorcismo estão verdadeiramente possuídos por espíritos ou demônios não vem ao caso; o problema é que a crença na realidade literal da eficácia do exorcismo pode ter consequências ruins, mortais até.
Em 2003, um menino autista de 8 anos de Milwaukee, Wisconsin (EUA), foi morto durante um exorcismo por membros da igreja que culparam um demônio pela sua deficiência. Em 2005, uma jovem freira na Romênia morreu nas mãos de um sacerdote durante um exorcismo depois de ser ligada a uma cruz, amordaçada e privada de comida ou água por dias em um esforço para expulsar os demônios.
No dia de Natal de 2010 em Londres, na Inglaterra, um garoto de 14 anos chamado Kristy Bamu foi espancado e morreu afogado por parentes que tentavam exorcizar um espírito maligno do menino.
O próprio filme famoso “O Exorcismo de Emily Rose” trata de um desses casos tristes. Esse roteiro, sim, é baseado em uma história de horror real: a de uma garota com problemas mentais que foi morta por padres exorcistas.
A alemã Anneliese Michel experimentou graves distúrbios psiquiátricos a partir dos 16 anos de idade até sua morte, aos 23 anos, sendo que seu quadro clínico era composto desde desnutrição secundária à doença mental.
Depois de vários anos de tratamento psiquiátrico sem resultado, ela recusou tratamento médico e solicitou um exorcismo. As graves consequências atribuídas ao ritual de exorcismo sobre a jovem motivaram a abertura de um processo criminal pelos promotores de justiça locais contra os pais de Anneliese e os padres exorcistas, causando uma grande polêmica em toda a Europa. Tanto os padres quanto os pais de Michel foram condenados por homicídio negligente por terem renunciado ao tratamento médico por meio do exorcismo.

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