Quando os sinos tocam na igreja Templo la Caridad, na cidade colonial de San Cristóbal de las Casas, no México, o bispo local conduz um grupo de adolescentes indígenas em seu próximo passo na instrução religiosa.
A Crisma é um tiro de passagem importante para qualquer católico devoto. É o momento em que eles repetem os compromissos e promessas para Deus feitos em nome deles quando foram batizados.
Durante séculos, a Igreja católica no Estado de Chiapas, ao sul do país, só realizou cerimônias oficiais em latim ou espanhol.Mas para estes jovens, o que se fala na cerimônia ressoa particularmente. A Crisma está sendo celebrada em tzotzil, a principal língua maia nesta parte do México.
"Quando os padres falam comigo em espanhol, eu não sei o que eles estão dizendo ou explicando", diz Maria Teresa, de 16 anos.
Assim como 65% da população de Chiapas, ela faz parte do povo maia e fala pouco espanhol.
"Mas quando eu ouço as palavras na minha própria língua, eu entendo tudo e sinto como se o próprio Jesus Cristo estivesse falando comigo."
Nova abordagem
Apesar de o espanhol permanecer como a linguagem da Igreja no México, gerações de catequizadores e missionários católicos traduziram a Bíblia para o tzotzil e para o tzeltal, outra língua indígena bastante popular na região.
Nos últimos sete anos, a diocese de San Cristóbal - uma das mais antigas do país - liderou os pedidos ao Vaticano para reconhecer oficialmente a liturgia nas línguas maia.
O pedido recebeu atenção em outubro, quando o papa Francisco deu o sinal verde para que a celebração da missa semanal e alguns rituais-chave do catolicismo, como a confissão e o batismo, possam ser feitos nas duas línguas indígenas.
O bispo auxiliar de San Cristóbal, o reverendo Enrique Díaz, diz que conseguir o reconhecimento de Roma foi um processo longo e complicado.
"Isto é a aceitação não só de uma simples tradução, mas de um estudo meticuloso que captura o sentido das palavras da liturgia e da Bíblia", diz, enquanto se houve o clero cantar hinos religiosos em tzotzil dentro da Igreja.
O bispo dá parte do crédito ao papa Francisco, que o ajudou a conseguir a autorização.
"Sem dúvida o papa Francisco trouxe consigo uma nova abordagem", diz, argumentando que o fato de o pontífice ser argentino influenciou sua atitude em relação à América Latina. "Ele é mais próximo de nós tanto em termos de pensamento latino-americano como sobre os povos indígenas."
"Mesmo que não haja uma presença indígena grande na Argentina, ele passou algum tempo com comunidades indígenas e nos entende bem", diz Díaz, que viajou para o Vaticano para discutir o papel da Igreja nas comunidades maias com o papa.
Mas o analista de questões religiosas mexicano Elio Mas Ferrer diz que o tzotzil já é usado não-oficialmente em celebrações religiosas em Chiapas há anos.
Para ele, a aprovação de Roma é parte de uma estratégia maior do Vaticano.
"Estritamente falando, não é nada novo", diz ele, lembrando que desde de os anos 1960 a Igreja católica diz acreditar que "a revelação da palavra deve acontecer em consonância com a cultura de cada povo".
Corações e mentes
Mas Ferrer diz que o que pode ser mais revolucionário é que a iniciativa faz parte de um relaxamento maior da política papal a respeito do "catolicismo indígena".
A Igreja Católica tem perdido cada vez mais seguidores para os ramos evangélicos. Até mesmo as igrejas anglicanas, antes incomuns na região, têm penetrado em partes do México e da América Central.
De acordo com o analista, o reconhecimento do tzotzil e do tzeltal é uma de uma série de medidas tomadas por Roma para conquistar mais apoio nas comunidades indígenas.
Em essência, diz ele, é uma operação para "conquistar corações e mentes".
Um destes corações e mentes pertence a Juan Gomez.
Um seminarista no Templo la Caridad, ele tem somente noções do espanhol e diz que a decisão do Vaticano foi vital para o apelo da Igreja em sua comunidade.
"Se só ouvissemos a missa em espanhol, era melhor ir dormir!", brinca.
As comunidades indígenas de Chiapas estão entre as mais pobres do México e há muito tempo o Estado é acusado de ignorar as necessidades dos povos nativos.
O reconhecimento do tzotzil pela Igreja é motivo de orgulho para Juan.
"Roma é muito longe daqui. Nunca a conheceremos. Somos os últimos e os pobres, mas eles reconheceram nossa língua e agradecemos por isso", diz.
Ao se aproximar o Natal, a missa da meia-noite no Templo la Caridad será celebrada da única maneira em que a congregação entende, em tzotzil. A diferença este ano é que ela acontecerá com a bênção de Roma.
A aprovação do Vaticano da celebração em línguas indígenas não mudou necessariamente a maneira como os nativos praticam a religião.
Mas pode ter dado a elas a sensação de que - cinco séculos depois de o catolicismo ter sido imposto aos povos locais - a Igreja católica agora tenta preservar seus idiomas tradicionais.
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